segunda-feira, 11 de março de 2024

Novas e belas obras


Eu sempre gostei de trabalhos manuais, artesanais, artísticos. Mas, diferente da maioria das pessoas, nunca fui de ir na loja e comprar tudo de ideal para a execução do trabalho. Até porque sempre me sentia perdida nesses momentos, querendo comprar tudo ou cheia de dúvidas do que pegar. Gastava uma fortuna e comprava coisas que nunca usava.

Minha vibe sempre foi de criar com o que eu tinha. Pagar uma caneta de marcar tecido e fazer um desenho na parede, usar um retalho para embalar um presente e por aí afora. Acho que isso vem de encarar com resiliência minha realidade, meu cenário, lidar com o que eu tenho - e transformar essa cena a partir daí. O famoso "do limão, uma limonada" (ou uma caipirinha)!

Isso tudo converge muito com o momento que vivo agora. Na verdade, que vivo desde o último ano. Foram tantas descobertas sobre mim, tantas conexões, entendimentos e amadurecimento. Mas isso me levou a um lugar meio estranho de "beleza, sou isso aí, mas como faço para chegar lá?" Tô tão distante ainda do meu lá... mas, veja bem, antes eu não só não enxergava quem eu era tampouco sabia onde era o meu lá. Acho que só isso já é conquista, não?! E, em sendo conquista, digna de comemoração.

Bom. voltemos - ou seguimos.

E aí é que faço a conexão com a questão da criação artística com o que tenho. Já percebeu o lance? Ninguém tem o ideal. Ninguém é o ideal. Mas ninguém precisa do ideal para fazer coisas bonitas, nem para tecer transformações belas em si mesmo.

Tenho procurado acolher minha história, minhas feridas, minhas escolhas e minhas dores. Entender quem sou diante da vida e não me julgar no passado que fui, mas trabalhar (com o que tenho e sou) para criar a Ursula do futuro.

Tô bem no meio... no meio desse processo meio turbulento e meio bonito. Não, bem bonito até. Mas é aquele meio ainda bagunçado, em que a gente tropeça, se rala, chora e até repete comportamentos do eu do passado - porque são conhecidos e tem horas que a gente fica assustado novo e vai ali para aquela poltrona macia e confortável da nossa zona de conforto.

Sim, sei que nunca estarei pronta. Nunca olharei no espelho e pensarei que a grande obra está acabada e a Ursula do futuro chegou. Mas tô trabalhando para ter um "meio" mais organizado, com casa limpa, plantinhas bem verdes e cheirinho de comida sendo feita. Neste lugar, com calma, leveza e equilíbrio (o meu equilíbrio), poder ir tapando os furinhos que sobraram na parede, jogando fora o lixo que ficou, enquanto vou criando novas obras com o que tenho. Novas e belas obras.

domingo, 30 de julho de 2023

Ah, vó… ❤️

Acordei emotiva…

Meu irmão acabou de me mandar essa foto e tanta coisa me passou aqui… em especial memórias da minha avó. Sei que ela foi embora em paz e na hora certa, mas sinto saudades.
Muitos anos antes de morrer ela já quase não saía de casa. Mas era impressionante como ela era o centro, ali do alto da cadeirinha de balanço. A família girava em torno dela e ela sempre estava a par de tudo - “Rádio Carvalho” para os mais chegados.
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Era uma leitora voraz: todos os dias lia todos os jornais impressos que assinava além das inúmeras revistas dos assuntos mais diversos. Decoração, moda… sempre achei intrigante esse hábito da vovó - o que raios ela queria com o último grito da moda? Mas acho que era uma forma dela se conectar com o mundo que já via muito pouco. E isso, junto com as incontáveis cruzadinhas que preenchia diariamente, manteve a cabeça dela em pleno funcionamento até seu último dia de vida. Lembrarei disso daqui a pouco…
Quando eu disse pra ela que estava grávida e que ela se chamaria Valentina se fosse menina, vovó riu e falou pausadamente VA-LEN-TI-NA! E em seguida “não acha muito comprido não?!” Ah, vó… ❤️
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Quando eu ia sair - e teve uma época em que eu saia muito! - ela sempre, sempre, sem nenhuma excessão, virava pra mim e falava “não vai levar um casaquinho, não?!” E eu, num misto de amor e rebeldia, respondia com carinho que não.
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A lembrança mais nostálgica que eu tenho sua é do pão careca com “prisunto” regado a coca cola no domingo de noite. Essa até meu irmão, que de saudosista não tem nada, lembra. Fantástico na televisão e pão careca com “prisunto” para fechar o domingo. Queria repetir igualzinho agora…
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“Faxavor” era uma clássica! Assim como “Que Deus lhe pague e lhe crie para a boa sorte”. Eu adorava quando ela falava essas coisas!
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Um dia ela quebrou o fêmur quando caiu e precisou operar. Eu não morava mais no Rio e gelei com a notícia. Vim correndo pra cá, às pressas, porque senti que ia perdê-la. Cê acha?! A coroa operou, se recuperou e voltou pra casa serelepe - não antes de reclamar da comida do hospital. Hahaha e muito antes do que esperávamos você já estava andando, vó! Que alegria!

Quando o universo dela se reduziu a uma cama hospitalar devidamente instalada na sala dela, lugar onde sempre passou seus dias, veio uma travessa rebeldia, num suspiro de esperança de ter algum controle sobre alguma coisa. Nessa ocasião, de certa forma, ela já não comandava a própria vida. Tinha que tomar os remédios sem questionar, não podia comer os docinhos que sempre gostou, tinha uma lista de exercícios fisioterápicos que não podia escapar. E o que ela fazia? “Não vou tomar banho!” ou a mais clássica “Tá bom, mas não lavo o cabelo!” Lembro que a minha família montava um verdadeiro plano tático para convencer a vovó de lavar o cabelo!
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Olhando pra ela naquela época eu percebi como é a evolução da gente na vida. A gente nasce e morre criança. Isso não é de todo mal.
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Na última vez que a vi, pouco antes de morrer, eu não consegui me despedir. Entrei na sala e você estava dormindo de ladinho na tal cama. Já não mais roliça e cheia de vida. Eu te senti murchinha, vó… e tive a certeza que seria nosso último encontro. Permiti que fosse sereno e sem um adeus. Eu não queria te dar esse adeus.
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Não sei se nós encontraremos de novo, vó, mas você está em mim e te sinto no meu coração todos os dias da minha vida. Você continua cuidando de mim e sou muito grata por isso!



Reflexões sobre fé


Quando você tem uma educação onde a fé é muito presente (não vou nem falar de religião necessariamente), é natural que você sinta essa marca, que você siga esse caminho.
Quando você é criado em um lar onde não se fala em Deus, não se fala em algo além do material, onde a visão de vida é “morreu acabou”, é bem mais complexo esse assunto.
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Quando meu pai morreu, foi a primeira vez na vida em que eu me senti sem chão. Meu pai era meu pilar, minha referência de amor e um dia ele não estava mais aqui.
Eu chorava, muitas vezes, querendo acreditar em algo. Buscando uma paz que eu não sabia onde encontrar. Foi muito difícil pra mim.
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Eu comecei a buscar meu caminho espiritual bem mais tarde. Porque mesmo não conseguindo “dar forma”, meu coração sabia que existia algo a mais do que eu conseguia ver. Mas até hoje são crenças meio amorfas… isso tudo chegou junto com minha busca por autoconhecimento. Curioso isso… à medida em que eu fui me conhecendo mais, rolou uma espécie de lapidação da Ursula - com uma busca por alguém melhor pro mundo e pra mim e, somado a isso, alguém com mais fé. Um caminho que não foi nem será regular, tampouco bem delineado. Mas que está sendo construído diariamente.
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Hoje, sobretudo, procuro ter uma conduta baseada em bons valores e boas práticas. Coisas simples como espalhar amor e não reclamar de tudo o tempo todo. Procuro entender (e construir dentro de mim) que existe uma força maior regendo a vida. Deus?
Gosto de pensar no universo como esse algo maior. Na natureza como Deus - aí sim! Um Deus que eu não consigo enxergar em um templo, mas que eu sempre vejo do alto da montanha - não à toa busco sempre passar por lá…
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Acredito em boas energias e em boas vibrações e entendo que se eu fizer coisas com amor e tiver, de fato, amor no meu coração, minha vida se cercará de positividade e eu receberei verdadeiros presentes - sendo os mais importantes sem forma de coisas, mas de pessoas.
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Obrigada, universo.
Por tudo, por tanto.



Meu pai, meu papanungai



Minha referência de amor. Minha referência de tranquilidade e de forma de enxergar a vida. A conexão que a gente tinha era tão incrível que muito do que eu sou hoje, veio dele. Ele era meu “papanungai”, e eu a “brutchununguinha” dele.

Sempre foi meu pilar, meu porto seguro. Além de um acadêmico que deixou um legado incrível e marcou a vida de muitos dos seus alunos.

Um pai que educou uma prole honesta, de quatro filhos. Acho que ele teria tido mais até. Amava criança e elas amavam ele. Sempre tinha uma piada, um doce, uma charada ou uma brincadeira inusitada.
Foi o pior pescador que eu já conheci nessa vida e o pior motorista também. Sério, não deveriam deixar meu pai ter tirado carteira!

Ele via beleza nas pequenas coisas, se encantava com o sutil e mergulhava com total atenção no que quer que tivesse fazendo. Sabia bem o que era mindfullness muito antes da moda pegar. Era sábio, meu velho.
No cinema eu tinha vergonha dele. Na hora que todo mundo estava rindo, meu pai ficava estático. E quando estava aquele silêncio completo, na cena mais inusitada, ele rolava de rir. Gente, ele quase caía da cadeira, que vergonha!

No ônibus ou no trem, sempre cedia o lugar. Ele era de uma gentileza sem tamanho, que fazia mais bem pra ele mesmo do que para quem ele atendia.

Inventava músicas para tudo. Para a hora de comer, de tomar banho, de passear, de dormir. Musicava o medo dos filhos e transformava lobo em bolo em dois tempos. Nossa, como eu sinto falta disso.
Era químico, mas amava instrumentos, sendo a flauta doce a grande escolhida. Meu pai era doce.
Tinha uma oficina completa no sítio, onde ele fazia desde móveis, peças de xadrez (jogo que, por sinal, ele amava), até onde se aventurava a consertar os carros velhos e caquéticos que durante muito anos ele teve. Ah! E que eram apelidados carinhosamente sempre, com nomes de gente.

Era de uma sensibilidade incrível e hoje me lembro com um saudosismo enorme dele ouvindo música clássica pela casa em volume ensurdecedor, gesticulando como um maestro e vibrando com a nona. Ele realmente vibrava.
Era um idealista nato. A (quase) inocência dele era muito bonita. Via Deus como a natureza (como eu vejo), sempre criou galinhas e construiu uma secadora de bananas enorme, de onde saíam as melhores bananas passas do mundo!

Nunca tive resposta para o porquê dele ter ido embora antes da hora. Ele foi embora antes da (minha) hora...

Mas aprendi a enxergar sua ida com o mesmo otimismo que ele enxergava a vida. Como sou grata por tudo que vivi, que senti, que construí ao lado dele. Feliz de quem conheceu Reinaldo. Hoje tem festa no céu pela data do seu aniversário.

Brindarei por você daqui, eu pai, meu papanungai.



Eu posso muitas coisas

Minha lista do “não posso” agora tá grande... Tão grande que dá raiva, às vezes tristeza, as vezes angústia e quase sempre cansaço. Tenho me sentido cansada emocionalmente.

Mas desde que eu ouvi a @babi__amaral falar que “tem algo de incrível acontecendo agora”, que eu mais que resolvi alimentar a minha lista do “eu posso”. Na verdade essa é a filosofia de vida que eu tenho, faz tempo, buscado: reclamar menos e desfrutar e agradecer mais. Olhar com satisfação e amor para tudo que eu tenho e aceitar de forma mais leve o que eu não tenho.

Não estou falando da positividade tóxica. Odeio positividade tóxica. Tá duro pra todo mundo. Difícil e desanimador muitas vezes. Mas, diante de tantas perdas e privações, eu escolho, diariamente, aumentar minha lista de “possos”.

Eu posso me privar de umas horas de sono para ver o nascer do sol. Para sentir a paz que me dá o barulho das ondas; a energia que me nutre meditando na praia.

Foi uma delícia ver o senhor se movimentando antes do dia clarear; o casal apaixonado fotografar animado seu amor; a nadadora, ainda meio dormindo, se alongar antes de cair no mar; uma revoada de pássaros lá no alto, numa expressão máxima de liberdade.

Não nego a dor, a privação, a dificuldade. Mas eu posso muitas coisas. E isso é muito mais sobre como enxergar a vida do que de fato ter a vida perfeita.


A morte da dor. E do sentimento.

O que acontece com o pé do atleta no lugar onde sempre faz bolha?! Com o passar do tempo, vira calo.

O calo é uma pele dura, resistente à dor. Mas é uma pele também sem sensibilidade - já passou o dedo em cima de um calo? Você não sente nada, nadinha.

Acho que é isso o que vai acontecendo com o ser humano ao longo da vida. De tanto as bolhas insistirem em se formar, os calos vão chegando. A gente vai ficando super resistente aos atritos! Quase não sente mais aquela dor amiga que volta e meia insistia em chegar.

Mas o que acontece com a sensibilidade naquela região?! Vai sendo perdida também.
A morte da dor. E do sentimento. Que triste.

1/2 fica, 1/2 vai

2 cafés

1 silêncio
957 emoções
1/2 fica, 1/2 vai